Carta a um Samurai

Ela tentou começar diversas vezes. Relia as palavras escritas por ele, que poderiam ser endereçadas a tantas outras personagens, e tentava ignorar as que possuíam Cep. Mas havia um quê de chuvas de verão ali. E chuvas de verão são inconfundíveis.

Não, ela nunca foi um anjo com auréola. Anjos não ardem durante as madrugadas. Era apenas um personagem batizado por um carinhoso sotaque português na mesa de um restaurante em Ipanema. E essa era mais uma daquelas histórias que só dois entendem, cuja lembrança provoca sorrisos, ao mesmo tempo que rasga alguma coisa lá dentro. Existe um código de comunicação entre amantes capaz de fazer inveja a qualquer abelha rainha.

As palavras impressas já estavam quase decoradas. O papel, cansado de ser desdobrado, resistiu bravamente às tempestades do Rio. Odiava quando não conseguia colocar os pensamentos em ordem, e eles vinham avassaladores. E aquela pergunta afiada para qual ela não tinha resposta. E ele sabia disso. Foi ela quem começou com as perguntas, mas argumentava pra si mesma que ele não precisava ter respondido. Só que ele era fã das teorias, das reflexões. E nem cabia reclamação porque tudo começou exatamente desta forma. "Não foi o seu cabelo loiro que me conquistou". Não, não foi.

A mente estava tão confusa que não dava chance de criar, pelo menos, uma sequência lógica de argumentos. Ele pedia que ela fizesse uma autoavaliação, mas ela não sabia se enxergar pelo lado de fora. Pensou então em começar exatamente por aí: "O que eu aparento, Samurai?".

Samurai. Perdeu-se de novo. Começou a refletir sobre a arte de ser um Samurai em 2010. A classe era rara e ela descobriu sua identidade quando ele a deixou por poucos minutos. Sozinha, na sala escura, avistou as espadas. Soube na hora que não faziam parte da decoração. A partir daquele momento, compartilhavam mais um segredo. Mas os Samurais de 2010 fazem guerras com o laptop no colo, sentados em uma confortável poltrona, com uma taça de vinho ao lado.

Ela que não sabia ser metade. Refletia sobre como alimentou o vício das esbórnias cúmplices enquanto ele pronunciava o velho discurso decorado de "não querer magoar". Irônica contradição. Um Samurai com medo de ferir alguém. Mil vezes o corte da lâmina que a pronúncia daquelas palavras desgastadas. Havia o "sorriso no olhar" batizado por ele. Aquilo era mais do que confiança. E parecia real. Mas ela não saberia descrever em uma palavra. Porque a definição de abstrato pelo que não se pode tocar deixava nebulosa a concepção de realidade. O toque dele era real. O tato dela também. Mas os momentos pareciam esquetes. A história não evoluía. E talvez nunca evolua exatamente por ser de sua natureza não viver para o amanhecer. Não é sempre que as manhãs trazem um novo dia.

Voltou os olhos para o texto. Segredos. Os deles, ali. Tão expostos e tão escondidos ao mesmo tempo. Cada palavra importava demais. E ela sussurrava uma frase para si mesma como um mantra: "O que você quer, Samurai?". Porque os jogos de palavras, as metáforas, as entrelinhas, tudo isso seduz. Trazem a mágica, a fantasia. Mas existem momentos em que as coisas precisam ser ditas de forma simples, para que não haja dúvidas. Como no dia em que ele concluiu: "Volta pra casa". Nada mais direto, não é mesmo? Tanto, que ela nem argumentou. Só respondeu em um daqueles momentos em que o mundo para e fica em silêncio para te ouvir: "Tudo bem, Samurai" - sem piscar, sem respirar.

Aquele papel amassado fazia ela se enganar mais uma vez. E trazia milhões de perguntas nas quais ela se incluía. Por que as pessoas não são mais claras? Como descobrir o nome que se dá ao que nos move? Impulso? Paixão? Amor? Talvez, no fundo, só desejasse conciliar o furacão que guardava dentro de si com alguns daqueles desejos simples de mulher. Seria pecado querer tudo? Paixão; tempestades; amor; segredos sussurrados ao ouvido junto com os fogos de Ano Novo; risadas ao telefone; dançar até às cinco da manhã; quebrar todas as regras; sexo na sala, na varanda, na parede, embaixo do chuveiro, no carro e até na cama; desejar e se sentir desejada; ser surpreendida no trabalho ou uma ligação só para dizer que está com saudades; surpreender o outro; poder gritar que está com saudades; se inspirar e ser motivo de inspiração; fazer planos; ter uma história, e não ser apenas parte dela. Desejava encontrar alguém que quisesse estar ao seu lado.

No final, desistiu de listar todas as perguntas e argumentos. Respirou fundo, fechou os olhos e tentou encontrar a melhor resposta. Na carta, escreveu apenas uma frase: "Você sabe."

* Texto em homenagem à B.