Everlong


Eu não sou mais forte. 
Tô tentando. 
Arduamente, todos os dias. 
Mas está sendo difícil. Tá sendo difícil pra caralho.

Já peguei o celular mil vezes pensando em dividir com você minhas conquistas, 

minhas derrotas. 
E essa coisa de ter que parar no meio do caminho só me corta por dentro. 
Porque a gente tem que ser forte, tem que "seguir com a vida", né?

Acho que nunca entendi tanto aquele papo de viciados: um dia de cada vez. 

Cada dia que consigo chegar em casa e dormir com a cabeça e o coração em paz 
é uma vitória.

É muito difícil enterrar uma pessoa dentro da gente. 

Dói muito. 
De fazer sentir falta de ar, de vomitar, de tão físico que se torna.

Tô tentando ser forte. 

Acordo todos os dias, me arrumo, coloco um fone de ouvido e vou trabalhar. 
Tento me distrair com as obrigações, com os papos, com amigos.
Mas aí vem umas rasteiras como as de hoje e parece que voltei pro ponto de partida.


Já pensei em parar de falar com você de vez. Não é o que dizem ser o melhor a fazer, pelo menos no início?

Mas falar com você me traz um pouco de paz no coração. E isso tem sido tão raro...

Por vezes me pergunto o que a gente tá fazendo. 

Por que a gente tá fazendo isso? 
Aquele papo: a raiva passa, as partes ruins parecem ficar mais leves. 
Por outro lado, vêm as novas mágoas. As novas dores. 
Já revi todas as brigas que tivemos mil vezes. 
Já pensei em tudo que poderia ter feito diferente. 
De longe é sempre mais fácil, não? 
Mas estou tentando me tornar uma pessoa melhor, para que tudo não seja em vão.

Sei que tudo isso vai passar. 

É como um mantra que repito para mim mesma todos os dias: vai passar. 
Mas há noites em que acordo e tudo que queria era ter você abraçado comigo, me dando aquela sensação de segurança, de que a gente se bastava nesse mundo todo.

Minha casa nunca, nunca esteve tão vazia. Assim como eu.

E eu não devia te dizer essas coisas. 

Para "parecer forte", para "não dar o braço a torcer", para não atrapalhar seu processo. 
Enfim, pra gente não ficar andando em círculos.
Mas foram quase 6 anos em que você era meu porto.
Melhor amigo, companheiro, amante e cúmplice.
Ninguém mais nessa vida vai entender tanto tudo isso como você. 

E você faz muita falta em tudo.

Sinto falta da gente. Tô tendo que nascer de novo.

Como disse, não sou mais forte. Tô tentando. Arduamente, todos os dias.



Compass


A força, por mais incrível que pareça, nasce das maiores fraquezas.
O amor e o ódio dilaceram na mesma medida.
E essa dor aqui dentro de hoje se transforma na armadura de amanhã.

Estar sozinho não significa se sentir só. A vida, essa que você acha que domina, sacode e bagunça tudo que há de mais previsível.

Guerreiros não nascem por acaso. Minhas cicatrizes são bússolas: me lembram de onde vim e orientam para onde seguir.

Não importam as facas cravadas, eu sou capaz de renascer mil vezes.

Prepara teus alicerces.
A minha alma transcende tempestades.

Não é nada se não for tudo

Um passo de cada vez.
Cada história em sua prateleira.
E o ciúme entre elas.

Sua demora.
Sua pressa.
Meu tempo, que corre diferente.

Para mim, é sempre por amor. Sempre foi.
Chegou aqui muito antes de alcançar aí.
Mesmo com todos os erros. 
(os meus e os seus)

"Você merece a culpa que carrega?"

A intensidade é minha, eu sei.

Você gravou seu nome aqui dentro?
Vai ficar. Junto com o cheiro, o gosto e as vírgulas.

Fez por merecer cada sorriso? Cada loucura?
Parabéns. Pouquíssimos foram os que conseguiram.

Meus sonhos.
Minhas palavras.
Minha história.

Fica quem quer.
Quem se atreve.
Quem deseja com a alma.

"Quando um mora no outro"




Não dá mais para mergulhar onde a água secou. Onde tudo ficou cinza, a gente junta as últimas forças e renasce. Mas antes, morre por dentro. A cada dia, um pouco mais. A cada hora, um pouco menos. Deixa os sonhos irem embora pela porta da frente. E vira de costas para a vida não ver que você chora. Desaba com os castelos que construímos juntos.

O muito aqui de dentro agora só me afoga. Transborda e escorre junto com os sorrisos, as recordações, os quereres. Já nem se lembra mais onde tudo começou. Onde dois viraram um. Onde um virou metade do que sobrou. Só o amor não basta. Ele, sozinho, não pode com o ego, com o orgulho, com o desgaste, com os outros, com todos os erros. Mas, de tão imenso que é, ficou sem lugar. Sem a quem pertencer.

Inconsequente, ele. Teima em respirar onde não há mais vida. E sobrevive, não se sabe exatamente de que jeito. Persistente, ele. E insolente. Se esconde, se apega, se mostra. Sofre sozinho no meio da rua, no canto da sala, no meio do nada. Escancara onde menos se espera. Sem lar, pede abrigo nas noites em que a nossa estrela brilha mais forte. (Aquela, que procuramos no céu até hoje.) Sem sono, sem fome, sem cor. Sem tempo, se aproveita de todos os segundos relapsos. Guerreiro de uma luta que não começamos. Solitário nesse emaranhado de mágoas sem fim.

Machucado, se encolhe no peito, com medo de ser esquecido. Soluça para ser ouvido. Se estica para ser notado. Pede desculpas pelos nossos erros. E chora, pensando em todas "aquelas coisas lindas que nunca existirão". Todos os sonhos, os desejos, as certezas, as conquistas. Resseca, a cada lágrima derramada. Inconsolável, lamenta o ponto final na vida linda que construímos. 

Temporal


Chegou como um sopro.
Invadiu todos os planos e partiu com o vento.
Nem sempre a tempestade acontece do lado de fora.

Sobrou um pequeno vazio.
E o silêncio.
Sem segredos, sem sonhos.
Sem o som dos nossos corações.

Sem desespero, sem cores, sem felicidade.

Durou por um suspiro.
Doeu o tempo de uma vida inteira.

Tic-Tac


Uma, duas, três, quatro... E só ouço os ponteiros de um relógio que eu nem sei onde está. Tic-tac. E essas luzinhas tão pequenas que agora são capazes de me cegar? Mas tá escuro aqui dentro. E tem uma lua linda lá fora. E esse galo que não para de cantar? Lembra o galo da vizinha. Aquele que sentia muito a sua falta. Me pergunto para quem ele deve cantar agora...

E essa cama que nunca foi tão grande, hein? Inspira, expira. Inspira, expira. E eu, que me sinto tão pequena... Como Alice, olhando para essas listras sem fim. E para essas paredes que não param de crescer. E ainda tem aquele coelho maldito que só me fala que o tempo está passando. 

Tá frio. Tá calor. Tá ruim com esse travesseiro, mas aquele outro está muito mole. Falta o melhor lugar do mundo. Eu, que me sinto sempre tão só nos quartos de hotéis, me sinto sozinha aqui, agora. Tem um buraco aqui dentro. Ecoa. Tem uma confusão de pensamentos aqui em cima. Mas isso são horas? Voltem todos para suas gavetas!

E tem também esse silêncio. E aí... Eu sei, coelho. Já é tarde. Muito tarde... 

Eu não quero motivos

Lidar com tragédias pode virar rotina. Mas, depois que o trabalho acaba, depois de relatar a situação e atualizar todos os dados, ainda resta sensibilidade para enxergar uma das demonstrações de amor mais reais e mais tristes que já vi.

Em um infeliz acaso do destino, eles atravessavam juntos a rua República do Peru no momento exato da explosão. Ela foi projetada a metros de altura e já chegou ao chão com o corpo em chamas. Ele, para tentar salvá-la, atirou o corpo contra o dela para tentar apagar o fogo.

A cena foi contada por diversas vozes. E todas elas relatavam o horror do momento e o desespero dele que, ao mesmo tempo, tentava acalmá-la.

Sara teve oitenta por cento do corpo queimados. David, trinta e cinco por cento. No hospital, o estado dela é grave. O dele inspira cuidados. Americanos, de Ohio. Ela com 28 anos, ele com 31.

Algumas vozes dizem que, na situação dela, talvez fosse melhor não sobreviver. Como? A vontade é de perguntar: ouviram tudo que contei? Prestaram atenção? Quem teria coragem de dar essa notícia e consolá-lo com tal argumento?

Alguém seria capaz de tentar adivinhar o que dói mais nele: as queimaduras no corpo ou a preocupação com ela? Não consigo imaginar como deve ser a vida após uma tragédia como essa. Mas, sobra uma única certeza: a de que as teorias são, para mim, cada vez mais fúteis.

Não há teorias quando se trata da pessoa que você ama. Não há lógica. Danem-se as análises sobre como será o futuro. Dá-se um jeito! David não fez uma “análise de riscos” antes de abraçar o corpo da esposa em chamas. Ele queria ela ali, viva.

A história contada por bocas tão diferentes, por pessoas que não entendiam palavra alguma pronunciada pelos dois e que compreendiam perfeitamente cada grito dela e cada toque dele.

Ela sobrevive. Porque cada expressão de quem conta a história traz junto o horror, a tristeza, mas também compaixão e admiração. E a respiração de quem absorveu tudo aquilo.

O que você faria pela pessoa que você tanto diz que ama?

Com licença?

Uma personagem que invadia as histórias. A dos outros. Percorria as prateleiras da imensa biblioteca a céu aberto. No caminho, fazia bons amigos. Curiosa, abria os livros e pedia licença para entrar. Às vezes, entrava sem pedir licença. Em outras ocasiões, puxavam-na para dentro, sem avisos... Tão pequenina naquele universo de cheiros e palavras. Sentada, na beira da estante mais alta, admirava tudo aquilo. Tantos amigos, tantos mundos diferentes. Como as pessoas tinham histórias pra contar, e como contam das mais diversas formas histórias tão parecidas. E tão particulares ao mesmo tempo! Pedia desculpas por atrapalhar. Atrapalhava e se atrapalhava. É que ela tinha que continuar o caminho. Aprendeu muito cedo que não podia parar. Mas tinha aquele apeeeerto lá dentro. Queria ser a exceção. Aquela para qual há um lugar que lhe aguarda. Ser encontrada. Sonhava encontrar, sem procurar. Desejava tanto ser e fazer feliz, que doía. Mas sorria. Sempre. Como se aquele sorriso pudesse ajudar a iluminar o mundo, mesmo que o alcance fosse pequeno. Mesmo que o brilho nos olhos viesse embaçado por algumas teimosas lágrimas. Por vezes, a alma só deseja abrigo. Há momentos em que ela não cabe no corpo. Em outros, fica tão pequenininha que o eco do espaço que sobra torna-se assustador. Do alto da prateleira, o céu era tão claro que dava para brincar de ligar pontos com as estrelas. Todas as noites, em silêncio, pedia a elas que a abençoassem.